Silenciar seus sentimentos é um comportamento com raízes na infância. Quando temos medo de alguém, podemos acabar assumindo seu ponto de vista, “fingindo” estar de acordo com o mais forte para sobreviver psiquicamente. Essa identificação com a figura agressora gera uma série de comportamentos destrutivos e um ciclo é formado:
A repetição da experiência de sentir medo ou de que a sua perspectiva sobre o mundo está errada gera uma profunda cicatriz de falta de confiança em si mesmo. A falta de crença em si pode fazer com que a pessoa permaneça buscando o poder no outro, e não nela própria (presa numa ideação infantil de poder). Mais tarde, essa falta de confiança poderá gerar alguns comportamentos destrutivos, de si ou dos outros. Isso parte de um profundo não-saber dos próprios limites, mas uma necessidade extrema de se libertar das agressões sofridas.
Agora a questão não é mais entre vítima e agressor (um relacionamento, família, etc), mas sim da vítima com ela mesma. A impotência gera medo, o medo afeta a autoestima, gerando dependência emocional e identificação com a postura agressora. A pessoa tende a agir passiva-agressivamente e acaba vítima da sua própria dependência sobre o outro.
Quem foi vítima pode então se tornar agressora de si mesma. Mas quando buscamos partes da nossa personalidade que não foram tragadas por esse complexo, conseguimos combater as forças destrutivas ou autodestrutivas. Sim, existem forças de destruição por natureza que não podem ser transmutadas, e elas devem ser combatidas agressivamente. Nesse sentido, a raiva será a nossa grande aliada - a raiva como reguladora de novos limites, como um termômetro.
O caminho então seria sair da passivo-agressividade, que inconscientemente representa um lugar perigoso, “não confie em mim, eu não sou confiável para mim mesmo. Me traio e não sei meus limites”, e partir para a identificação da raiva, o contato sincero com ela e no que ela toca. É preciso perceber/ser sensível às suas necessidades e dificuldades. Permanecer no silenciamento de si é continuar identificado com a figura agressora. É difícil se desvincular desse tipo de comportamento já que a postura agressiva original dá a impressão de poder, e poder é algo que pode ser difícil de abrir mão, mas estamos falando de uma longa jornada de aprendizado, de respeito e reconhecimento de si e de combate à autodestruição.
A gente não se cura para lidar com os traumas, a gente se cura para conseguir lidar com a felicidade que a vida trás.
Referência: Verena Kast. Abandonar o Papel de Vítima, 2022.
Arte: Pedro Indio.
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