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O ser espontâneo

Sabe aquela roupa que alguém te deu, alguém que você gosta muito, uma tia, mãe, uma amiga, mas a roupa não cai bem em você? Aperta, faz calor, tem que fazer uma pose pra ficar certa, a estampa não favoreceu, qualquer coisa! Passa muito tempo e aquela roupa ainda habita seu armário por causa do valor afetivo, esse tipo de presente acontece às vezes.


A roupa é uma metáfora para a persona, a máscara que devemos usar socialmente. Via de regra, cada pessoa que nos ama tem sobre nós uma expectativa, uma crença de que ficaríamos melhores nessas roupas que elas tentam nos fazer usar, de vez em quando. Muitas vezes não fazem por mal, às vezes esperam de você exatamente o que esperam delas próprias! Quem nunca recebeu de algum amigo um presente que na verdade ficaria melhor nele? Ele fez de coração, mas nesse sentido não devemos aceitar simplesmente porque veio de alguém que nos deseja bem. Tudo bem, tentar. Mas se a projeção não dialoga com o que seu corpo, é melhor não forçar.


Passar a roupa pra frente (ou não aceitar de prontidão a expectativa) não é um ato de desamor. Quero trazer a reflexão de que muitos de nós carregamos ideais infantis de sermos aceitos, amados, compreendidos. Não percebemos que muitas vezes nos colocamos em situações complicadas e contra a nossa vontade em algumas relações como se isso fosse estancar o medo da solidão, do não entendimento, da falta de conexão.


Fantasiamos em “amar direito”, amar alguém que vá nos compreender e nos abraçar em nossa totalidade, mas essa não passa de mais uma fantasia da infância, esse é um desejo que guardamos desde muito cedo. O que acontece é que a realidade nos forja de tal forma que as desilusões são insuportáveis. Por isso a consciência reprime o desejo, que fica livre, leve e solto no inconsciente, e quanto mais inconsciente, mais ele toma as rédeas da vida da pessoa, que parece desprevenida contra seu próprio mal. Amando, se iludindo com a incompletude do outro (que nunca satisfaz) e seguindo adiante, com sua crença reforçada de que está fadado a ser um eterno incompreendido e que o problema está no outro, que não foi sensível o bastante. Assim fica preso num comportamento infantil e inflamado.


Sua criança desiludida precisa do seu amor. Aquele amor mais precioso que a fantasia guarda para o seu par perfeito. As pessoas que escolhemos nos relacionar nunca vão conseguir “tapar esse buraco” sintomático e também não tem essa obrigação. Elas nos amam do jeito delas, cabe a nós aprender a nos defendermos - defendermos na verdade a tal criança interior, machucada, de um jeito que não a fira ainda mais.


Quando ocupamos esse lugar interno até as relações conturbadas ficam mais aceitáveis. É você adulto voltando para garantir sua segurança mais primária, para que você possa desenvolver sua criatividade, sua autonomia e espontaneidade diante das situações. Quem não está esperando por aprovação se sente mais leve. Se desfez da roupa que não cabia.



Arte: Kilian Eng.


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