Quando uma clareira se abre na floresta, a vida que estava contida no solo encontra o tempo certo de brotar. Muitos tipos de sementes têm a capacidade de ficarem dormentes, esperando as condições certas. A clareira é um espaço que se abre quando uma árvore já grande cai, abrindo então espaço para que os raios de luz atravessem aquele enorme teto verde.
Talvez viver seja um pouco como presenciar essa sucessão de acontecimentos dentro de si. Somos em grande parte sementes dormentes, temos potencialidades das quais não temos conhecimento. Algo precisa acontecer para que elas despertem. Algo precisa morrer também, consciente ou inconscientemente sabemos disso. É um processo ancestral.
Por algum tempo eu me preocupei em tentar resolver paradoxos. Depois de sofrer bastante com essa mania controladora, comecei a ter outra relação com esse princípio fundamental da vida: o paradoxo não deve ser solucionado. O fato de que eles chamavam tanto assim minha atenção me trazia inconscientemente meu fascínio pela verdade multifacetada. De maneira contraditória, a solução do paradoxo é sua própria existência. Acho que seria mais saudável conservar apenas a percepção de que tudo tem dois lados ou mais.
Num dado momento estamos psicologicamente agindo de uma forma mas temos seu oposto dormente em nós. Isso revela que o julgamento não constrói nada.
“Estou me tornando aquilo que jurei destruir”. Me permitir um pouco vivenciar o outro lado, não habitar extremos em nome do bem ou da paz. Esses foram alguns passos em direção ao objetivo de compreender melhor o sofrimento humano. Me sinto sensível, mas ao mesmo tempo a projeção, a expectativa do outro sobre mim recai tão leve. Tá aí outro paradoxo.
Cena de Tramas do Entardecer, 1943, de Maya Deren.
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